quarta-feira, 10 de agosto de 2022

A Triste Partida

Tardiamente, conheci uma memorável composição musical de Patativa do Assaré, que foi imortalizada por Luiz Gonzaga. 

A letra da canção poderia ser a ideia central de filme ou de peça de teatro. Shakespeare, o Bardo do Avon, assinaria o roteiro e, por certo, a obra poderia rivalizar com o universal “Hamlet”, a maior obra teatral da humanidade. 

Shakespeare certamente agregaria, no epílogo, uma sentença imprescindível: “E agora bastam mais 4 anos de gestão pública eficaz e sem corrupção para que o bravo, trabalhador e resiliente povo nordestino contribua para a transformação do Brasil.”

 

 

Queira ouvir a canção, com o acompanhamento da magnífica letra.


Patativa do Assaré 

[Clique sobre este título e ouça a música]

 

 

A Triste Partida

 

Patativa do Assaré

 

Setembro passou

Outubro e novembro

Já tamo em dezembro

Meu Deus, que é de nós

(Meu Deus, meu Deus)

 

Assim fala o pobre

Do seco nordeste

Com medo da peste

Da fome feroz

(Ai, ai, ai, ai)

 

A treze do mês

Ele fez experiência

Perdeu sua crença

Nas pedra de sal

(Meu Deus, meu Deus)

 

Mas noutra esperança

Com gosto se agarra

Pensando na barra

Do alegre Natal

(Ai, ai, ai, ai)

 

Rompeu-se o Natal

Porém barra não veio

O Sol bem vermeio

Nasceu muito além

(Meu Deus, meu Deus)

 

Na copa da mata

Buzina a cigarra

Ninguém vê a barra

Pois barra não tem

(Ai, ai, ai, ai)

 

Sem chuva na terra

Descamba janeiro

Depois fevereiro

E o mesmo verão

(Meu Deus, meu Deus)

 

Entonce o nortista

Pensando consigo

Diz "isso é castigo"

Não chove mais não

(Ai, ai, ai, ai)

 

Apela pra março

Que é o mês preferido

Do santo querido

Senhor São José

(Meu Deus, meu Deus)

 

Mas nada de chuva

'Tá tudo sem jeito

Lhe foge do peito

O resto da fé

(Ai, ai, ai, ai)

 

Agora pensando

Ele segue outra trilha

Chamando a família

Começa a dizer

(Meu Deus, meu Deus)

 

Eu vendo meu burro

Meu jegue e o cavalo

Nós vamo' a São Paulo

Viver ou morrer

(Ai, ai, ai, ai)

 

Nós vamo' a São Paulo

Que a coisa 'tá feia

Por terras alheias

Nós vamo' vagar

(Meu Deus, meu Deus)

 

Se o nosso destino

Não for tão mesquinho

Daí pro mesmo cantinho

Nós torna a voltar

(Ai, ai, ai, ai)

 

E vende seu burro

Jumento e o cavalo

Inté mesmo o galo

Venderam também

(Meu Deus, meu Deus)

 

Pois logo aparece

Feliz fazendeiro

Por pouco dinheiro

Lhe compra o que tem

(Ai, ai, ai, ai)

 

Em um caminhão

Ele joga a famía

Chegou o triste dia

Já vai viajar

(Meu Deus, meu Deus)

 

A seca terrive

Que tudo devora

Ai, lhe bota pra fora

Da terra Natal

(Ai, ai, ai, ai)

 

O carro já corre

No topo da serra

Olhando pra terra

Seu berço, seu lar

(Meu Deus, meu Deus)

 

Aquele nortista

Partido de pena

De longe da cena

Adeus meu lugar

(Ai, ai, ai, ai)

 

No dia seguinte

Já tudo enfadado

E o carro embalado

Veloz a correr

(Meu Deus, meu Deus)

 

Tão triste coitado

Falando saudoso

Um seu filho choroso

Exclama a dizer

(Ai, ai, ai, ai)

 

De pena e saudade

Papai sei que morro

Meu pobre cachorro

Quem dá de comer?

(Meu Deus, meu Deus)

 

 

Já outro pergunta

Mãezinha, e meu gato?

Com fome, sem trato

Mimi vai morrer

(Ai, ai, ai, ai)

 

E a linda pequena

Tremendo de medo

Mamãe, meus brinquedo

Meu pé de fulô?

(Meu Deus, meu Deus)

 

Meu pé de roseira

Coitado ele seca

E minha boneca

Também lá ficou

(Ai, ai, ai, ai)

 

E assim vão deixando

Com choro e gemido

Do berço querido

Céu lindo e azul

(Meu Deus, meu Deus)

 

O pai pesaroso

Nos fio pensando

E o carro rodando

Na estrada do sul

(Ai, ai, ai, ai)

 

Chegaram em São Paulo

Sem cobre quebrado

E o pobre acanhado

Percura um patrão

(Meu Deus, meu Deus)

 

Só vê cara estranha

De estranha gente

Tudo é diferente

Do caro torrão

(Ai, ai, ai, ai)

 

Trabaia dois ano

Três ano e mais ano

E sempre nos prano

De um dia vorta

(Meu Deus, meu Deus)

 

Mas nunca ele pode

Só vive devendo

E assim vai sofrendo

É sofrer sem parar

(Ai, ai, ai, ai)

 

Se arguma notícia

Das banda do norte

Tem ele por sorte

O gosto de ouvir

(Meu Deus, meu Deus)

 

Lhe bate no peito

Saudade de móio

E as água nos zóio

Começa a cair

(Ai, ai, ai, ai)

 

Do mundo afastado

Ali vive preso

Sofrendo desprezo

Devendo ao patrão

(Meu Deus, meu Deus)

 

O tempo rolando

Vai dia e vem dia

E aquela famía

Não volta mais não

(Ai, ai, ai, ai)

 

Distante da terra

Tão seca, mas boa

Exposto à garoa

A lama e o baú

(Meu Deus, meu Deus)

 

Faz pena o nortista

Tão forte, tão bravo

Viver como escravo

No norte e no sul

(Ai, ai, ai, ai)

 



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