Tardiamente, conheci uma memorável composição musical de Patativa do Assaré, que foi imortalizada por Luiz Gonzaga.
A letra da canção poderia ser a ideia central de filme ou de peça de teatro. Shakespeare, o Bardo do Avon, assinaria o roteiro e, por certo, a obra poderia rivalizar com o universal “Hamlet”, a maior obra teatral da humanidade.
Shakespeare certamente agregaria, no epílogo, uma sentença imprescindível: “E agora bastam mais 4 anos de gestão pública eficaz e sem corrupção para que o bravo, trabalhador e resiliente povo nordestino contribua para a transformação do Brasil.”
Queira ouvir a canção, com o acompanhamento da magnífica letra.
[Clique sobre este título e ouça a música]
A Triste Partida
Patativa do Assaré
Setembro passou
Outubro e novembro
Já tamo em dezembro
Meu Deus, que é de nós
(Meu Deus, meu Deus)
Assim fala o pobre
Do seco nordeste
Com medo da peste
Da fome feroz
(Ai, ai, ai, ai)
A treze do mês
Ele fez experiência
Perdeu sua crença
Nas pedra de sal
(Meu Deus, meu Deus)
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra
Pensando na barra
Do alegre Natal
(Ai, ai, ai, ai)
Rompeu-se o Natal
Porém barra não veio
O Sol bem vermeio
Nasceu muito além
(Meu Deus, meu Deus)
Na copa da mata
Buzina a cigarra
Ninguém vê a barra
Pois barra não tem
(Ai, ai, ai, ai)
Sem chuva na terra
Descamba janeiro
Depois fevereiro
E o mesmo verão
(Meu Deus, meu Deus)
Entonce o nortista
Pensando consigo
Diz "isso é castigo"
Não chove mais não
(Ai, ai, ai, ai)
Apela pra março
Que é o mês preferido
Do santo querido
Senhor São José
(Meu Deus, meu Deus)
Mas nada de chuva
'Tá tudo sem jeito
Lhe foge do peito
O resto da fé
(Ai, ai, ai, ai)
Agora pensando
Ele segue outra trilha
Chamando a família
Começa a dizer
(Meu Deus, meu Deus)
Eu vendo meu burro
Meu jegue e o cavalo
Nós vamo' a São Paulo
Viver ou morrer
(Ai, ai, ai, ai)
Nós vamo' a São Paulo
Que a coisa 'tá feia
Por terras alheias
Nós vamo' vagar
(Meu Deus, meu Deus)
Se o nosso destino
Não for tão mesquinho
Daí pro mesmo cantinho
Nós torna a voltar
(Ai, ai, ai, ai)
E vende seu burro
Jumento e o cavalo
Inté mesmo o galo
Venderam também
(Meu Deus, meu Deus)
Pois logo aparece
Feliz fazendeiro
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem
(Ai, ai, ai, ai)
Em um caminhão
Ele joga a famía
Chegou o triste dia
Já vai viajar
(Meu Deus, meu Deus)
A seca terrive
Que tudo devora
Ai, lhe bota pra fora
Da terra Natal
(Ai, ai, ai, ai)
O carro já corre
No topo da serra
Olhando pra terra
Seu berço, seu lar
(Meu Deus, meu Deus)
Aquele nortista
Partido de pena
De longe da cena
Adeus meu lugar
(Ai, ai, ai, ai)
No dia seguinte
Já tudo enfadado
E o carro embalado
Veloz a correr
(Meu Deus, meu Deus)
Tão triste coitado
Falando saudoso
Um seu filho choroso
Exclama a dizer
(Ai, ai, ai, ai)
De pena e saudade
Papai sei que morro
Meu pobre cachorro
Quem dá de comer?
(Meu Deus, meu Deus)
Já outro pergunta
Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato
Mimi vai morrer
(Ai, ai, ai, ai)
E a linda pequena
Tremendo de medo
Mamãe, meus brinquedo
Meu pé de fulô?
(Meu Deus, meu Deus)
Meu pé de roseira
Coitado ele seca
E minha boneca
Também lá ficou
(Ai, ai, ai, ai)
E assim vão deixando
Com choro e gemido
Do berço querido
Céu lindo e azul
(Meu Deus, meu Deus)
O pai pesaroso
Nos fio pensando
E o carro rodando
Na estrada do sul
(Ai, ai, ai, ai)
Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
(Meu Deus, meu Deus)
Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
(Ai, ai, ai, ai)
Trabaia dois ano
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vorta
(Meu Deus, meu Deus)
Mas nunca ele pode
Só vive devendo
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar
(Ai, ai, ai, ai)
Se arguma notícia
Das banda do norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir
(Meu Deus, meu Deus)
Lhe bate no peito
Saudade de móio
E as água nos zóio
Começa a cair
(Ai, ai, ai, ai)
Do mundo afastado
Ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão
(Meu Deus, meu Deus)
O tempo rolando
Vai dia e vem dia
E aquela famía
Não volta mais não
(Ai, ai, ai, ai)
Distante da terra
Tão seca, mas boa
Exposto à garoa
A lama e o baú
(Meu Deus, meu Deus)
Faz pena o nortista
Tão forte, tão bravo
Viver como escravo
No norte e no sul
(Ai, ai, ai, ai)
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