Um estimado amigo enviou-me o artigo “A fraqueza do Déspota”, transcrevendo e comentando a entrevista de David Remnick com Stephen Kotkin, em 11 Mar 2022, sobre história da Rússia, Vladimir Putin, invasão da Ucrânia, reações dos Estados Unidos e Europa, e outras observações incluindo a postura da China.
Inicialmente, convém constatar como Remnick descreve Kotkin.
“Stephen Kotkin é um dos nossos estudiosos mais profundos e prodigiosos da história russa. Sua obra-prima é uma biografia de Joseph Stalin. Até agora, ele publicou dois volumes – ‘Paradoxes of Power, 1878-1928’, que foi finalista do Prêmio Pulitzer, e ‘Waiting for Hitler, 1929-1941’. Um terceiro volume levará a história através da Segunda Guerra Mundial; a morte de Stalin, em 1953; e o legado totalitário que moldou o restante da experiência soviética.”
Destaco algumas assertivas de Kotkin, extraídas da entrevista.
— “O que temos hoje na Rússia não é uma espécie de surpresa. Não é algum tipo de desvio de um padrão histórico. Muito antes da OTAN existir – no século XIX – a Rússia era assim: tinha um autocrata. Tinha repressão. Tinha militarismo. Suspeitava de estrangeiros e do Ocidente. Esta é uma Rússia que conhecemos, e não é uma Rússia que chegou ontem ou nos anos noventa. Não é uma resposta às ações do Ocidente. Existem processos internos na Rússia que explicam onde estamos hoje.”
— “{Kotkin} passa a descrever três ‘momentos fugazes’ da ascendência russa: primeiro durante o reinado de Pedro, o Grande, depois a vitória de Alexandre I sobre Napoleão e depois, é claro, a vitória de Stalin sobre Hitler. [...] {Afora} ‘essas marcas d'água de lado, no entanto, a Rússia quase sempre foi uma grande potência relativamente fraca’ ”.
— “A Rússia é uma civilização notável: nas artes, música, literatura, dança, cinema. Em todas as esferas, é um lugar profundo e notável – toda uma civilização, mais do que apenas um país.”
— “O problema agora não é que o governo Biden cometeu erros; é que é difícil descobrir como desescalar, como sair da espiral do maximalismo mútuo. [...] Precisamos de uma desescalada da espiral maximalista, e precisamos de um pouco de sorte e boa sorte, talvez em Moscou, talvez em Helsinque ou Jerusalém, talvez em Pequim, mas certamente em Kiev.”
Grosso modo, constata-se que há erros de parte do mandatário russo e há erros dos mandatários ocidentais. E agora, ninguém sabe como sair do imbróglio. Transcrevo minha resposta para o estimado amigo.
Caro amigo B.,
Excelente o artigo do David Remnick!
Sem presunção, vou mencionar algumas questões pessoais.
Na tarde de 25/Dez/2019, eu e Isabel pegamos um Aeroflot (perigosamente envelhecido) em Teerã e fomos para Moscou. Minha intenção conhecer o inverno que derrotou Napoleão e Adolfo (a propósito, enfrentamos 12 abaixo de zero em Moscou e 18 abaixo de zero em São Petersburgo).
Em Moscou, ficamos num hotel modesto nas proximidades da Praça Vermelha. Depois de visitar alguns dos locais mais interessantes — aí incluído o principal museu militar, com histórico da Segunda Guerra Mundial —, fomos ao Teatro Bolshoi assistir ao balé “Quebra-Nozes”.
Depois seguimos para São Petersburgo, onde além das visitas convenientes, assistimos, no Philarmonia Hall, ao Lang Lang interpretando o “Concerto Nr 2 de Rachmaninof” e outras peças.
Mencionei essas passagens para dizer que entendo facilmente o que Kotkin queria dizer quando declarou que “a Rússia é uma civilização notável: nas artes, música, literatura, dança, cinema.”
Em 2008, com oficiais do CTEx — visando chegar a Tagil — inicialmente, fomos a Moscou e depois a Ecaterimbugo. Nesta histórica cidade, tivemos muita sorte: por uma diferença de 8 horas, não tivemos o desprazer de cruzar, no aeroporto, com o Lularápio e sua comitiva, que pousaram em escala, em deslocamento para a China.
Ainda em Ecaterimburgo, vistamos a Igreja do Sangue em Honra de Todos os Santos que Resplandeceram na Terra Russa, construída em lugar da Casa Ipatiev, onde os Romanov foram assassinados pelos bolcheviques. Depois, fomos às ruínas da primeira metalúrgica russa, construída por Pedro I, o Grande (arquiteto da inclusão russa na Revolução Industrial).
Em seguida, fomos para o objetivo principal: a REA – Russian Expo Arms 2008, exposição de material de defesa, periodicamente realizado na cidade de Tagil, perto da fronteira ocidental da Sibéria, cerca de 200 quilômetros ao norte de Ecaterimburgo e a uns 2000 quilômetros a leste de Moscou.
Quando os alemães estavam para invadir a União Soviética, o complexo industrial militar soviético ficava num raio de cerca de 600 km, tendo Moscou como referência. Stalin decidiu protegê-lo, transferindo-o para a região circunvizinha a Tagil.
Curiosamente, na REA, só havia produtos de fabricantes russos e do entorno da Rússia. Dentre os ocidentais, somente brasileiros e italianos estavam, ostensivamente, presentes. Nós, em visita, e eles com um modesto escritório.
Os dois testemunhos têm o objetivo de expressar minha satisfação em ler a densa análise contida na entrevista do Remnick com o Kotkin.
Entendo que, do alto de sua reputação e excepcional qualificação, o Kotkin demonstra um certo pendor democrata (peca por isso? Sim ou não!). Ele deveria ter tratado, de forma mais explícita, da fraqueza do Biden que, em questões internacionais, lembra Chamberlain, Jimmy Carter e outros. Ontem, tardiamente, o Biden deu uma de bravo e chamou o Putin de “criminoso de guerra” (em claro lance eleitoral, tentando salvar o Partido Democrata nas eleições legislativas do fim do ano).
Ora, Merkel foi substituída, Boris Johnson estava de picuinhas com a rainha, Macron está mais ‘pra lá do que pra cá’ e Biden precisou de 50 anos para ser eleito em uma eleição duvidosa. A indagação pertinente: será que diante de Roosevelt, Eisenhower, Reagan, Thatcher, Merkel e João Paulo II, o mandatário Putin — um tirano sórdido, mas que não é doido — faria a mesma coisa?
Outro aspecto a ser levado em conta é que há várias razões para a Rússia querer a Ucrânia, ou seja, suas riquezas agrícolas, industriais e a passagem para o gás russo, porém, a principal é não permitir seu ingresso na OTAN, que já abocanhou quase toda a parte ocidental da antiga União Soviética; e provavelmente impedir ou dificultar a adesão da Suécia e da Finlândia à OTAN (é bom lembrar que ambas pertencem à União Europeia). O Kotkin tratou disso, mas com outro viés.
É claro que deu zebra nas ações russas, isto é, a conquista da Ucrânia não está sendo fácil nem rápida. E o preço da zebra é muito alto. Quer dizer, o Putin, na melhor das hipóteses, terá uma vitória de Pirro e de curto prazo; e de quebra, ele potencializou o ódio ucraniano, oriundo desde quando Kiev, há mais de mil anos, era cidade importante e Moscou sequer existia, exceto por poucos moradores em vila irrelevante, passando pelo Holodomor, o Holocausto ucraniano. Convém assinalar que a Ucrânia é meio parecida com a Polônia e com o Vietnã — os três existem há muito tempo; e continuarão existindo por muito tempo). O diabo é que todos nós, mortais brasileiros — como de resto os cidadãos da maioria dos países — já começamos a pagar a conta. Resta chorar! E quem não sabe, que chore em silêncio.
Cabe a pergunta: nós, brasileiros, estamos em condições de aproveitar os infortúnios da conjuntura, para sair ganhando? Ganhando como? Resolvendo:
– a questão dos fertilizantes (já que, em face das sanções impostas à Rússia, ficamos impossibilitados de importar 20% de fertilizantes oriundos de lá);
– a questão das refinarias (atualmente, importamos petróleo devido à insuficiência de refinarias);
– a questão da demanda de gás (temos reservas mas não as exploramos em nível suficiente); e
– a conquista da autonomia plena em derivados de petróleo.
Isso sem falar no aumento da possibilidade de reeleição, com a atribuição devida, à oposição, da culpa peas mazelas dos derivados de petróleo e das consequências negativas no transporte — o que demandaria qualificação e profissionalismo na Comunicação Social.
Caro amigo B., estas são algumas ideias desencontradas, motivadas pelo brilhante artigo do Remnick.
Forte abraço.
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