sexta-feira, 15 de abril de 2022

Transformação do STF em Tribunal Constitucional

Estamos diante da mais complexa conjuntura das últimas décadas. No Brasil, em 2018, houve uma mudança política surpreendente, com a eleição do presidente Jair Bolsonaro. A libertação de um cidadão condenado em três instâncias da Justiça, com o referendo da Suprema Corte, por crime de corrupção e lavagem de dinheiro, e em duas instâncias da Justiça por outro crime de mesma caracterização — tendo como consequência sua candidatura à presidência da República — são indicadores brasileiros da citada complexidade. 

Em 2020 e 2021, o mundo foi impactado pelo horror da pandemia do coronavírus. Tomando-se a referência do primeiro trimestre de 2021, os Estados Unidos, com 340 milhões de habitantes, contavam mais de 500 mil mortos; a soma da Alemanha, França e Reino Unido, com 240 milhões de habitantes somavam quase 400 mil mortos; a soma do México, Colômbia e Argentina, com 220 milhões de habitantes, chegavam a cerca de 300 mil mortos; e o Brasil, com 212 milhões de habitantes, estava próximo do patamar de 400 mil mortos — ressalte-se que os números são arredondados e sujeitos à imprecisão que a memória impõe; mas a ordem de grandeza está razoável e comprova o caráter genocida do vírus SarsCov2. 

E no corrente ano, o surpreendente conflito russo-ucraniano trouxe novo impacto global, com consequências ainda não dimensionadas completamente, tanto para o médio quanto para o longo prazo. 

 Os aspectos negativos desta conjuntura podem ser considerados uma oportunidade e, por via de consequência, devem ser fonte de motivação para transformações requeridas em um país em estágio de desenvolvimento como o Brasil. 

 

Portanto, os políticos, os intelectuais e os demais pensadores de todas as latitudes estão desafiados a conceber e, subsequentemente, a desencadear as mudanças necessárias e possíveis.

Obviamente, há necessidade de alterações institucionais, procedurais e pessoais (nesse caso, de atitudes e ações individuais, através de práxis associada com os valores fundamentais do ser humano) na estrutura institucional brasileira. Nesse contexto, é conveniente pensar as vertentes mencionadas, no âmbito dos poderes judiciário, executivo e legislativo. 

E aí coloco uma posição que pode ser considerada polêmica: parece imperioso enfatizar que, em qualquer país que não tenha atingido a condição de desenvolvimento, as mudanças mais relevantes ou mais prioritárias devam ser no poder judiciário. 

Os poderes executivo e legislativo carecem de mudanças? Sim, contudo, em qualquer circunstância, seus integrantes estão, de um lado, sob o crivo dos cidadãos nos respectivos processos eleitorais; e, de outro, sob a observação crítica, avaliadora e punitiva do poder judiciário. Daí, a prioridade para este.

Um primeiro passo, um bom ponto de partida seria a análise das Supremas Cortes de países democráticos desenvolvidos. O objetivo seria termos referências que permitissem olhar com viés crítico as ações do Supremo Tribunal Federal em nosso País. Então seria de todo conveniente que levantássemos as características mais relevantes das Supremas Cortes dos Estados Unidos, da Alemanha, da França e do Reino Unido para atingir esse objetivo. Não pode deixar de ser mencionado que a abordagem aqui sugerida é alicerçada no ponto de vista leigo e, portanto, de interesse da sociedade e dos cidadãos, não importando o quão essa abordagem possa contrariar as tecnicalidades jurídicas. Aos juristas cabe a solução do que satisfaz ao interesse da sociedade e dos cidadãos, à luz de seus conceitos, teoria e sua imprescindível, mas, às vezes, presunçosa e arrogante sabedoria.

 Preliminarmente, consideremos a Suprema Corte dos Estados Unidos (“U. S. Supreme Court”), que é composta por 9 magistrados. Com uma única exceção, eles são formados nas Faculdades de Direito de Harvard e Yale, as mais consagradas no mundo. Com uma única exceção, antes da investidura na Suprema Corte, eles foram juízes do tribunal imediatamente inferior, o Tribunal de Recursos (“U. S. Court of Appeals”) — a exceção, Dra. Elena Kagan, foi assessora de magistrado da Suprema Corte, “Dean” da Faculdade de Direito de Harvard e procuradora-geral. 

Jamais foi divulgado que algum integrante da Suprema Corte americana: 

(i)        tenha sido advogado de organização criminosa;

(ii)      tenha sido advogado de criminoso condenado em país democrático;

(iii)    tenha negócios empresariais polêmicos; 

(iv)    tenha sido reprovado em concurso para juiz (o que é óbvio, já que à exceção de um, todos os demais foram juízes antes da investidura na Suprema Corte); 

(v)      tenha comparecido a outros países para ministrar palestra difamando e criminalizando o dirigente de seu próprio país; 

(vi)    tenha sido indicado para a Suprema Corte por critérios que não fossem o notório saber e a ilibada conduta; 

(vii)  tenha se envolvido em debates, em julgamento no plenário, com discussões de cunho grosseiro, agressivo e ofensivo a colegas de sua colenda Suprema Corte; 

(viii) tenha sido objeto de manifestação crítica grave, por intermédio de matéria na mídia ou por meio de meio de contestação individual pública de cidadão indignado (a tal ponto que os ministros não possam circular sem rigorosa segurança policial);

(ix)    tenha cônjuge que advoga em processos que podem vir a ser submetidos à respectiva Suprema Corte; 

(x)      tenha proferido decisão em contrariedade com prescrição da Carta Magna; e 

(xi)    tenha interferido de forma inequivocamente inapropriada nos assuntos dos demais poderes de seu país.

 

 

Tratemos agora das Supremas Cortes da Alemanha e da França. Esses dois países adotam uma instituição adicional, denominado Tribunal Constitucional (o “Conseil constitutionnel”, na França; e o “Bundesverfassungsgericht”, na Alemanha), aos quais os processos julgados nas demais Cortes podem ser submetidos; e que tratam exclusivamente de questões que possam contrariar a respectiva Carta Magna.

Na França, as demais questões com responsabilidade equivalente às do Supremo Tribual Federal (STF) brasileiro são julgadas pelo que se pode denominar Supremo Tribunal (“Cour de casssation”). Na Alemanha, as demais questões com responsabilidade da Suprema Corte são julgadas pelo Tribunal Federal de Justiça (“Bundesgerichtshof”). A Alemanha apresenta, também, quatro outros tribunais com status de Suprema Corte: Tribunal Federal Administrativo, Tribunal Federal de Finanças, Tribunal Federal do Trabalho e Tribunal Federal Social (“Bundesverwaltungsgericht”,“Bundesfinanzhof”“Bundesarbeitsgericht” e “Bundessozialgericht”, respectivamente). 

A Suprema Corte do Reino Unido (“Supreme Court of the United Kingdom”) é mencionada porque, em um país de cultura e tradição milenares, a mais alta corte atual foi criada recentemente pelo Ato de Reforma Constitucional de 2005 (“Constitutional Act Reform 2005”), tendo suas funções iniciadas em 2009. Trata-se, pois, de expressiva motivação para possíveis mudanças em instituições do poder Judiciário brasileiro.

Se analisarmos a formação e a evolução dos integrantes das Supremas Cortes alemã, francesa e britânica, chegamos à conclusão que a caracterização deles não foge do que foi descrito para os integrantes da Suprema Corte americana.

Dessa forma, e recordando as ações dos ministros do STF brasileiro, a inferência irreprochável é que os critérios de suas investiduras e a qualidade de várias dentre suas decisões relevantes não estão de acordo com o que se constata nas Supremas Cortes de alguns dos mais importantes países democráticos desenvolvidos.

Se analisarmos as ações dos ministros da Suprema Corte brasileira ao longo da História — excetuando-se os atuais ministros —, verificamos que eles estão entre os grandes juristas do País. E verificamos que suas decisões foram exemplares e condizentes com as respectivas biografias, daí resultando a entrega de imprescindível herança intelectual e jurídica. 

Agora, os cidadãos comuns constatam que, de parte dos atuais magistrados do STF, não há preocupação com o registro de decisões que se tornem paradigmas para as futuras gerações. Pelo contrário, são noticiadas decisões que se constituem em ensinamento do que não deve ser feito; quer dizer, reproduzindo e parodiando a sentença seminal de Bismarck, “ ‘os tolos preferem aprender com seus próprios erros’; bem como deixá-los para aprendizado dos outros”

Destarte, se François Andrieux vivesse entre nós, elaboraria versos em que, diferentemente do que concebeu para o moleiro de Sans-Souci (que afirmou ao imperador: “o senhor não invadirá minha propriedade porque ainda há juízes em Berlim”), os brasileiros indagariam: “será que ainda há juízes em Brasília” 

 Dúvida não resta de que a transformação do STF é preciso. À luz do que foi mencionado em relação às mais importantes e consagradas Supremas Cortes do mundo, vejo com clareza, simplicidade e relevância, a solução de se substituir o STF por um Tribunal Constitucional para tratar das questões envolvendo a Carta Magna; e atribuir as demais funções que lhe são afetas ao Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, para evitar que investiduras distópicas deixem de ser a prática em nosso País, a forma de indicação dos ministros do proposto Tribunal Constitucional e do novo Superior Tribunal de Justiça devem ser objeto de transformação. Essa indicação deve ter origem, em caráter paritário — à guisa de exemplo a ser revisto, aperfeiçoado ou modificado — em três instâncias distintas: campo político (por senadores da república), campo da magistratura (por integrantes do Tribunal a ser renovado; e magistrados na inatividade) e campo da intelectualidade (por juristas consagrados, inseridos em uma espécie de conselho a ser criado, submetido a critérios de saber jurídico, ilibada conduta e reconhecida consagração nacional e internacional, por meio de teses e livros).

Similarmente, o tempo de permanência na condição de ministro da Suprema Corte não deve ultrapassar, por exemplo, o tempo equivalente a um mandato de senador da República.

Epílogo

Não sou advogado. Meu irmão e dois sobrinhos são, mas não falo em nome deles e de nenhum outro advogado. Sou militar da reserva, porém, não falo em nome dos amigos, irmãos de arma, de minha valorosa turma nem em nome dos demais militares; não tenho procuração deles. Falo apenas como cidadão, que nasceu na roça, foi alfabetizado pelo pai, lavrador semianalfabeto, e aos 7 anos de idade deixou o lar para encontrar seu destino. Falo apenas como cidadão que aspira a um mundo com igualdade de oportunidade para todos — enfatize-se: especialmente, para os mais humildes — à luz do objetivo primacial do ser humano: a busca de paz e harmonia.

Uma indagação essencial: é preciso ter medo? Eu tenho muito medo. Entretanto, eu sopeso a inviolabilidade de minha consciência com a violabilidade do corpo, associadas com minhas limitações e falhas da condição humana. Nesse sentido, eu preciso de proteção; e encontro-a na grande referência da Humanidade: Sócrates, cuja autoimolação no confronto com a iniquidade do poder judiciário de sua época causou seu ingresso no panteão da bravura e virtude eternas.

 

Aléssio Ribeiro Souto

Brasília, 15/Abr/2022

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